LAJEADO, PALMAS, TO - ETAPA 2020, DO OIAPOQUE AO CHUÍ DE BIKE, ETAPA 2020
Atualizado: 11 de ago. de 2021
Não havia dormido bem durante a noite, quase nem preguei os olhos. Isso é ruim, pois essa é uma das variáveis da equação do bom rendimento para o dia seguinte.
Levantei 6 h, ouvindo uma verdadeira cantoria de galos por todos os cantos de Miranorte. Meu anfitrião, Péricles, acordou cedo e, muito esperto, logo foi preparando o nosso café da manhã. Não faltou nada, fez dois sanduíches pra mim, batata doce, suco, tinha de tudo. Em seguida, chegou a Ro, sua esposa. Sentou conosco e conversamos até 7h. Aos poucos, fui transportando meu equipamento e montando a bike sob olhares atentos. A hora de despedir foi dura, engasguei enquanto observava os olhos dos dois lacrimejarem durante o último adeus. “Será que voltaremos a nos ver um dia?” - ficou a pergunta de Ro.
Que situação difícil, fui embora com a dúvida que se realmente deveria ter partido ou ficado um dia a mais. Ainda parei em frente ao símbolo da cidade, um abacaxi gigante, para tirar uma foto; parti em seguida Tentando deixar os ressentimentos pelo caminho e focando na etapa do dia.
Estava quente logo cedo, não estava muito disposto a pedalar em uma estrada seca com sobes e desces constantes. Apesar da tarefa ser de apenas 50 km, garanto que foram um dos mais sofridos de todos.
Lajeado ia se aproximando quando um carro me cruzou buzinando. O motorista deu meia volta, parou do meu lado e disse que me conhecia. Edivan, ciclista de Palmas, havia lido minha história por aí, em grupos de what’s app da região; parou, tirou fotos e marcou de me reencontrar quando chegasse a Palmas no dia seguinte.
Fui chegando lentamente do rio Tocantins. Estafado pelo calor, reparei uma névoa seca cobrindo o rio. Atravessei a ponte e 5 km depois cheguei a uma vila chamada Lajeado.
Estava muito quente, fui à beira do rio que tinha todas suas entradas fechadas em prevenção à COVID-19. Não estava bem; parei em um restaurante às 11h30 quando o termômetro do GPS marcou inacreditáveis 55,1 °C. Almocei, mas não estava nem. O dono do restaurante me indicou a única pousada da cidade e pra lá rumei.
Loquei um pequeno quarto cheirando fumaça, que pensei, fosse de um intrépido fumante que ali dormira horas antes. Tomei meu banho e estiquei o corpo. Estava ansioso, conseguia mal cochilar. Sentia algo estranho no ar, em
mim.
A tarde foi caindo e com ela um terrível cheiro de fumaça começou a entrar pelo ar-condicionado; logo achei que tivesse com problemas. Saí do quarto, fui à casa principal; não havia uma alma na pousada, somente eu.
Foi quando fui à rua e dei de frente com algo surreal, à pequena vila de Lajeado coberta de fumaça e fuligem proveniente de uma queimada há metros, do outro lado da pista. Comecei a tossir, voltei ao quarto, peguei minha bandana e a molhei. Cobri nariz e boca tentando minimizar aquele cheiro terrível de madeira queimada. Em seguida, veio uma tosse seca, tomava água, mas não parava de tossir.
Comecei a questionar como pedalaria até Palmas no dia seguinte, embaixo desse sol, mal alimentado, depois de uma noite mal dormida e com um gosto de lenha queimada no paladar. Fiquei aflito, quis deixar aquele lugar imediatamente. Fui ao mercado procurar algum anjo que tivesse uma caminhonete que me resgatasse urgentemente dali a Palmas; ninguém. Enquanto isso, minha tosse não parava, quando o dono do mercado veio a mim: “podemos chamar o SAMU, sei você não está acostumado com a fumaceira, nós já estamos”. Fiquei pasmo, aquilo era o inferno pra mim!
Voltei pra pousada, batia na porta e gritava pela dona, nada. Peguei o celular e comecei a ligar para tudo quanto é táxi em Palmas. Um deles atendeu e se propôs a me servir.
Uma hora depois meu resgate chegou. Coberto por uma bandana envolvendo meu rosto, fui jogando bike e mochilas pra dentro do carro. Partimos dez minutos depois.
Na estrada, via a mata gritando e queimando. Olhei para trás pela última vez, assistindo a vila de Lajeado desaparecer meio a fuligem. Na escuridão da estrada, observava focos vermelhos atrás das montanhas, espalhados em vários pontos por onde passávamos. Nosso país está em chamas. Deprimente ver e sentir isso ao vivo, na pele, no paladar.
O motorista intrigado pela minha tosse crônica, supostamente gerada pela covid, colocou sua máscara enquanto me questionava se o melhor caminho não seria um PS.
Chegamos a Palmas meia hora depois, estressado e com a roupa fedendo fumo. Ao entrar no hotel, deitei, lavei minhas narinas com soro fisiológico, recompus-me e a tosse foi diminuindo aos poucos.
Estou em Palmas durante dois dias, prazo que me dei à minha recuperação.
Melhoras Nestor!