SOLIDÃO OU SOLITUDE? ISLÂNDIA, ETAPA 2022, ENTRE PLACAS TECTÔNICAS
Atualizado: 14 de dez. de 2022
Estou em Akureyri, a 2ª maior cidade da Islândia, fica no norte do país, moderna, uma graça.
Não tive uma noite boa. Tento me manter em situações que concernem à continuidade da expedição como, roupa, comida, chuva ou vento. Difícil me manter permanentemente nessa linha.
Tenho tentado me concentrar ao máximo para dar continuidade à expedição islandesa, sem sombra de dúvidas, a mais adversa que já enfrentei desde o início do projeto. Haja resiliência para passar pelos intempéries. Chuva, vento, frio ou solidão, não necessariamente nessa ordem, às vezes inversa. Estados de espírito que alimentam sentimentos que tocam a alma, que me levam ao êxtase ou depressão; tudo isso sentido como o clima aqui, que se transforma em questão de minutos.
Ontem, depois de ter chegado à cidade, ocorreu-me algo. Salivava para ter alguém para conversar! Sei que a solitude é boa, promove o autoconhecimento, mas garanto que também enlouquece; hoje estou enlouquecendo, vivendo almas que não são minhas, que não me pertencem. Reconheço que minha lista de contatos no celular é grandiosa, a de seguidores do Instagram nem se fala, mas me pergunto: para quê? Quem são, onde estão essas pessoas e no que podem fazer para me ajudar nesse momento? Será que é ajuda o que procuro?
Em Akureyri, cidade onde completo 30 dias de expedição, vejo-me rodeado de gente vinda de todos os cantos do mundo; sabe o que isso quer dizer? Nada! Por mais que a minha comunicação em inglês seja excelente, sinto-me invariavelmente como a Islândia, uma ilha solitária e gelada, no meio do Atlântico Norte, tentando sobreviver a partir dos seus próprios recursos. Que difícil!
Era tarde da noite quando resolvi ir ao centro de Akureyri para tomar algo e tentar encontrar alguém com que pudesse conversar, rir e principalmente que me escutasse.
Decidi ir a um bar no centro da cidade, chamava-se Centrum Kitchen and Bar. Geralmente bebo pouco, quando estou em expedição, quase nada; é algo que não me dá prazer, mas vejo a dificuldade social de entrar em um local como esses e apenas pedir uma garrafa d'água. Parece que a bebida alcoólica deveria ser a companheira; não caio nessa. O tal barzinho tem a cara da Islândia, caro, moderno e introspectivo.
Sentei no balcão, ao lado de uma islandesa típica, magra, loura, olhos azuis, mas que babava em cima do seu laptop e sequer olhava para os lados. Tentei um aceno, mas nada! Conformado, degustava minha água ao mesmo tempo que analisava o trabalho do barman. Nesse instante, lembrei por hora de um cicloviajante que me inspirei e tive a honra de encontrar pessoalmente em 2019. Dani Ku, catalão, ciclista de viagens, serviu-me de inspiração à minha expedição pela Patagônia. Encontramo-nos frente a frente, "por acaso", em uma cozinha de uma pousada em Vila O'Higgins, no Chile. Comecei a pensar por onde estaria perdido tal andarilho; fui visitar seu blog para descobrir. Rodeado de pessoas falando islandês, comecei a ler sobre Dani e vi que havia escrito uma carta em seu blog há apenas um dia. No texto, relatava que pararia de viajar, que pararia de pedalar. Estranhei muito, afinal, qual seria o motivo de uma decisão tão drástica para um homem em torno de 40 e aparentemente saudável? Descobri a resposta nas entrelinhas: câncer! A primeira imagem que me veio à cabeça foi o da minha mãe, que lutou, mas que sofreu muito com a doença. Comecei a chorar na mesa do bar.
A linda carta escrita por Dani, intitulada “mi penúltimo viaje”, (pode ser vista na íntegra em seu blog, clique aqui.) começa com um poema de Confúcio, o filósofo chinês, que diz:
“Todos temos duas vidas e a segunda só começa quando entendemos que só temos uma.”
Confesso que esses momentos só comigo são muito difíceis para mim. Sei que nascemos sós e que sós morreremos também, mas quando sensibilizo com histórias como a de Dani, sinto uma solidão existencial, estrutural que não sei se o fato de encontrar pessoas ao acaso seja uma solução.
Era quase meia-noite quando deixei esse bar. Saí para caminhar na noite de Sol, pelas ruas vazias e de vento gelado em Akureyri. Dessa forma reparava que sentia mais dor, algo muito forte, que me consumia. Um câncer de solidão, que aos poucos se espalhava pelas entranhas da minha alma e que me levava à loucura. Parei no meio da rua, gritei, tentei suprimir, tudo em vão! Achei que deveria viver esse incômodo. Assim senti a dor, ajoelhei no meio-fio e passei a chorar compulsivamente. Autoflagelação? Não sei, mas a única maneira que encontrei de ter base para suportar algo que nunca sentira e que era indiscutivelmente maior do que minhas forças. Algo que talvez minha mãe sentiu e que Dani certamente sentirá.
Sigo acreditando que antes desse esgotamento vem o crescimento. Solidão ou solitude? "Só tenho uma vida, estou aqui só de passagem, só de passagem".
Salve Nestor! Mandei por SMS a mensagem, mas como fui convidado vou escrever aqui também, não sei se consigo transcrever exatamente o que fiz lá (poucos caracteres) acho que aqui fico mais tranquilo. Essa sempre foi uma das minhas maiores dúvidas em relação as expedições... como suportar essa "solidão", essa ausência das conversas. Eu venho nas minhas mais recentes pedaladas seguindo em modo solo, ou por não estar com tanto desempenho por andar em grupo, ou por não bater agenda ou por falta de paciência rs. Um costume que a Pandemia me trouxe, pedalar com um ou dois amigos no máximo ou na maioria das vezes pedalar sozinho. Mas em todas as minhas empreitadas mais longas no modo solo min…
Li e entendi, meu amigo! O vento é de proa e você está na subida. Em breve o vento e inclinação mudam, não é verdade? Não tem vento de proa para sempre nem subida eterna. Ficarão as experiências adquiridas por onde você passou: Haltu áfram að hjóla!
Poxa! Queria estar aí e te dar um abraço de urso!!! Sou boa em abraços. Sua dor ninguém tira,quem sabe o tempo... Mas olha, viajar com você está sendo acalentador pro meu coração. Não, não tenho nenhuma história triste pra contar mas me sinto tão pequena. Torcer por dias melhores em sua vida tem sido uma das melhores coisas nos meus dias. Acompanhar sua coragem tem me feito crescer. Gratidão meu amigo! 🌻
Vou conhecer a história da Dani!!!
Eu estarei aqui quando precisar. ❤️ Solitude é estar só voluntariamente mas ela está intimamente ligada à solidão. Você pode passar de um lado para o outro num piscar de olhos, principalmente quando a saudade de alguém querido que se foi nos assola. Seria o único colo que curaria nossa dor. Força meu irmão!!!❤️